Os idosos são como bebês

José Carlos Campos Velho

Não, claro que não! As pessoas idosas não são como bebês. Talvez o título desta matéria deveria ser este. A infantililização das pessoas idosas é um problema recorrente e coloca a pessoa em um lugar onde ela não deveria estar. A atitude não é de má-fé. É um pouco ingênua, no sentido de que frequentemente o que se procura é uma expressão de carinho e afeto. 


Semelhanças realmente existem: se dependente, é frequente que a pessoa idosa esteja em uma situação parecida com uma criança em seus primeiros anos de vida. Acamada, usando fraldas, recebendo a alimentação na boca, através de outra pessoa, às vezes sem conseguir expressar-se, pois as palavras deixaram de fazer parte de seus recursos. Mas as semelhanças terminam aí.

 
Inúmeras vezes, ao visitar um paciente, no hospital ou em sua casa, ouvi, de um familiar ou de um cuidador, “este é o meu bebê”. Confesso que estas palavras nunca me soaram bem, na verdade, sempre me provocaram um certo mal-estar. Eu estava diante de uma pessoa muito doente, frágil, indefesa. 


As demências, como a doença de Alzheimer (um parágrafo aqui: Doença de Alzheimer é um tipo de demência – a expressão minha mãe, ou meu pai – não tem Doença de Alzheimer, ele tem demência, ou vice-e-versa, revela desconhecimento de ambas as condições) em sua fase mais avançada, ou na fase terminal, leva frequentemente a pessoa a uma situação verdadeiramente trágica. 


A memória se foi, as palavras perderam o sentido e a possibilidade de serem ditas, o controle urinário e intestinal já não existe, a capacidade de caminhar ou permanecer sentado foi esquecida, bem como a habilidade em usar instrumentos tão básicos como um garfo e uma faca. Tudo isso foi perdido. Não reconhece mais familiares, e deixou de ter consciência de si próprio há muito tempo. É quase uma espécie de morte em vida: já perdemos aquela pessoa, muitas vezes de importância vital : seu pai, sua mãe, seu cônjuge. 


Pensar nesta condição como similar a de um bebê que, ao contrário, está aprendendo estas habilidades, e a cada dia parece mais dono de si, ganhando capacidades e com elas, sua autonomia, não me parece adequado. Uma pessoa idosa guarda atrás de si um patrimônio que ninguém pode lhe tirar: a sua história. A sua vida. Doenças crônicas, particularmente aquelas que afetam o cérebro, podem transformar a pessoa num fantasma de si próprio. Nasceu, cresceu, estudou, trabalhou, criou uma família, acertou, errou. Variações deste caminho são incontáveis: não casou, não teve família, cometeu mais acertos do que erros ou errou muito. Viveu, de fato. 


E, como a velhice é a situação alternativa à morte precoce, a vida lhe ofereceu este troféu: mais tempo. Este tempo pode ser de dias ensolarados com céus azuis. Mas pode ser chuvoso, cinzento e frio. Ambas as situações podem ser escolhidas como preferidas por uma ou por outra pessoa. Mas estamos falando de metáforas da velhice: aquela mais tranquila, ou daquela que infelizmente tende a ser mais frequente, mais cedo ou mais tarde – assolada por doenças crônicas e debilitantes. As doenças que aos poucos lhes roubam a autonomia, a qualidade de vida e que podem lhe tirar a memória e a capacidade de fazer as coisas mais simples do cotidiano: vestir-se, tomar banho, alimentar-se. 


Cair em uma situação de absoluta dependência. Não queremos isso: queremos viver bastante, aproveitar a vida. Porém muitas vezes, quando nos damos conta, estamos cercados de médicos, farmácias, remédios. E nosso sonho de partirmos tranquilos, já muito idosos, sábios, reconhecidos e amados pela família e nossa comunidade, dissolve-se na neblina de um anoitecer que não termina. Perdemos nossa independência e, progressivamente mais vulneráveis, só o que aumenta é a necessidade de cuidados. Infelizmente, também, parece ser essa a situação que a maior parte das pessoas vai viver: anos de doença e incapacidade. O sonho de viver muitos anos e morrer pacificamente é para poucos.

 
Porém, uma coisa que não precisamos perder é a dignidade. Vamos tirar o sapatinho, o casaquinho, vamos deitar na caminha... abre a boquinha, mostra a linguinha, vovô. Se a pessoa não for sua avó, não a chame assim: chame-a pelo seu nome: Senhor, senhora, são expressões que denotam respeito. Mas, quando já existe uma conexão, pode chamá-las pelo nome: João, Maria, José. Supreendentemente elas gostarão daquele tratamento: a expressão dona fulana ou seu sicrano lhes foi imposta. Ainda se sentem como João, Maria e José. Este nome lhes pertence.

 
Infantilizar o idoso, de certa maneira, é roubar-lhes a autonomia, sua história - suas lutas, suas conquistas – sua memória (eventualmente por ele mesmo já perdida) e por fim, a dignidade. Trate os idosos que você ama como pessoas adultas que são. E deixe os diminutivos, o bebê, para seus netos e bisnetos. Você estará à altura da dignidade de quem teve o privilégio, a doçura – e as dificuldades – de envelhecer.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Dia das Mulheres; o dia que mudou os homens Anterior

Dia das Mulheres; o dia que mudou os homens

A nova era do setor elétrico Próximo

A nova era do setor elétrico

Colunistas do Site
00:00
00:00